sexta-feira, 29 de junho de 2007

Dimensionamento Estrutural

Procurando na Internet alguma norma de dimensionamento de madeira compensada que pudesse baixar gratuitamente, decidi adotar os critérios da Canadian Plywood Association constante do artigo Plywood Design Fundamentals que pode ser obtido em formato pdf a partir de http://www.canply.org/.

Além de ser um texto específico voltado para o dimensionamento de compensados, os critérios são de fácil aplicação e formulados para uso com unidades civilizadas, fugindo das polegadas e psi ainda usados pela mais conhecida American Plywood Association. A NBR 7190/97 só se refere aos compensados para recomendar ensaios relativos à cola utilizada na fabricação.

Os critérios seguidos são baseados na Norma CSA O86 Engineering Design in Wood. São propostos coeficientes de majoração de cargas de 1,25 para peso próprio e efeitos de temperatura (aqui desprezados) e de 1,5 para vento e cargas acidentais. Para a verificação dos estados de utilização (flechas) o coeficiente para todas as naturezas de carga é 1,0.

Há um fator de redução de cargas, quando são de mais de uma natureza dentre acidentais, vento e temperatura que, em princípio, será desconsiderado. Também é permitido um fator redutor de 0,80 quando o colapso da estrutura não acarreta consequências trágicas, que igualmente será desconsiderado.

Adotando-se, a favor da segurança, um fator de majoração único de 1,5 tanto para cargas permanentes quanto para cargas acidentais, temos os valores dos esforços extremos indicados abaixo, a serem resistidos pela totalidade da seção transversal do barco:

Vd = 1,5 x 101,68 = 152,5kgf = 1495N

Md = 1,5 x 6729 = 10094kgf.cm, que produz a compressão ou tração máxima, na fibra mais afastada da linha neutra de valor:

Nd = 1,5 x 4,42 = 6,63kgf/cm2 = 0,65N/mm2

Estes esforços têm que ser comparados com os valores máximos de cálculo, definidos na norma indicada. No caso dos compensados, o artigo tabela estes limites normalizando os esforços por faixa de largura unitária, para as diversas espessuras de chapas e para as direções paralela e transversal às fibras das faces externas.
A seguir são feitas as verificações estruturais a partir das fórmulas indicadas para o cálculo dos valores máximos.


Cisalhamento no plano da placa:

Vd max = Fi.Vp.2dp/3 , onde:

Fi = 0,95
Vp = vp (KD.KS.KT)
KD = fator de duração de carga
para cargas normais, KD=1; para cargas dinâmicas, KD=1,15
KS = fator de condições de serviço
em ambiente molhado, KS=0,8 em ambiente seco, KS=1
KT = fator de tratamento da madeira (considerado 1)
vp = resistência característica ao cisalhamento no plano da placa (N/mm)
dp = altura do painel resistente (mm)

substituindo-se na fórmula e considerando as 4 almas, temos:

1396N = 0,95 x vpmin (1 x 0,8 x 1) x 2 x (4 x 384mm) / 3
vpmin = 1,8N /mm

Nas tabelas do artigo citado temos, para a Canadian Softwood Plywood, que parece ser o compensado exterior de qualidade mais baixa, para a espessura de 7,5mm em 3 folhas, vp = 18N/mm, valor 10 vezes maior do que o que seria necessário. Mesmo que para compensado de 6mm (que não está tabelado) o valor de vp caisse para a metade, ainda assim estaríamos com um coeficiente de segurança da ordem de 5 para o cortante máximo.


Resistência à compressão paralela à borda da placa:

Pr = Fi.Pp.bp, onde:

Fi = 0,95
Pp = pp (KD.KS.KT)
pp = resistência característica à compressão (N/mm)

substituindo, temos:

0,65N/mm2 = 0,95 x ppmin (1 x 0,8 x 1) x 1mm
ppmin = 0,85N/mm

O valor limite tabelado, para o mesmo tipo de compensado e a espessura de 7,5mm, é de 40N/mm no caso mais desfavorável da compressão transversal às fibras, quase 50 vezes maior.


Resistência à tração paralela à borda da placa:

Tr = Fi.Tp.bn, onde:

Fi = 0,60 só para compensados de 3 ou 4 folhas e tração transversal às fibras e 0,95 nos outros casos
Tp = tp (KD.KS.KT)
pp = resistência característica à tração (N/mm)
bn = largura líquida da seção, descontados furos (mm)

Como haverá interesse em colocar a chapa do fundo com as fibras na direção transversal ao barco, esta tensão será transversal às fibras e o compensado dificilmente terá mais de 3 folhas. Substituindo, temos:

0,65N/mm2 = 0,6 x tpmin (1 x 0,8 x 1) x 1mm
tpmin = 1,15N/mm

O valor tabelado para o mesmo compensado e espessura mencionados nos casos anteriores é de 23N/mm, 20 vezes maior.


Conclusão:

Para todas as solicitações de caráter global previstas para o casco, uma espessura de compensado de 6mm é perfeitamente aceitável. Resta verificar a ocorrência de solicitações acidentais locais.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Cálculo dos Esforços e Tensões

Para efeito de dimensionamento estrutural, o casco foi analisado como uma viga, com as seções transversais calculadas anteriormente, submetida aos carregamentos mais desfavoráveis.

No caso da flexão, a situação crítica é a da fibra mais comprimida na face superior onde existe menos material e as tensões, portanto, serão maiores em valor absoluto do que as que ocorrem no fundo do barco.

Foram analisados 4 casos com 3 tripulantes: os 2 primeiros são os mesmos usados para o estudo do equilíbrio com carga excêntrica; no terceiro, os tripulantes foram colocados em posições afastadas, um em cada extremo e um no centro do casco; no último caso, concentraram-se todos os tripulantes na região central do barco.

Este último caso é o mais desfavorável para a flexão da seção central enquanto que o penúltimo deve dar valores extremos para cisalhamento próximo às extremidades.

Na tabela abaixo estão indicadas as cargas líquidas nas diversas seções (carga vertical menos empuxo). As seções estão identificadas por sua abcissa longitudinal no sistema de referência adotado, com origem no meio do barco. Os cortantes foram obtidos a partir da integração do diagrama de cargas líquidas e os momentos, pela integração do diagrama de cortantes.



Na tabela seguinte, estão indicados os esforços calculados para os 3 casos de carregamento do barco velejando com 2 tripulantes, já estudado na análise da estabilidade. O significado dos valores nas diversas colunas é análogo ao mencionado para a tabela anterior.



Na tabela abaixo, está um resumo dos esforços mais desfavoráveis, seção a seção, para os casos de carga com 3 tripulante e para os casos de carga com 2 tripulantes. Na coluna Envoltória estão os valores máximos dentre aqueles observados nas colunas anteriores. As tensões máximas foram calculadas da seguinte forma:
  • as tensões cisalhantes foram obtidas dividindo-se o cortante máximo, obtido em cada seção, pela área de 4 almas com espessura de 6mm e altura correspondente à seção respectiva.
  • as tensões de compressão na flexão foram obtidas dividindo-se o valor absoluto do momento máximo, obtido em cada seção, pelo módulo de resistência correspondente à fibra superior da seção correspondente.

  • os valores tanto da altura e quanto do módulo de resistência das seções intermediárias, que não foram calculadas diretamente, foram obtidos por interpolação ou extrapolação linear.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Características das Seções Transversais

A seção transversal típica, no trecho central do barco onde ocorrem os maiores momentos, tem o seguinte aspecto:



Na tabela abaixo estão indicadas as dimensões e características calculada das diversas seções transversais. Na primeira coluna está indicada a abcissa longitudinal da seção, com origem na seção central do barco (valores positivos em direção à proa).

Só está indicado, na última coluna, o módulo de resistência para cálculo da tensão na borda superior, quase sempre comprimida (talvez sempre), que é o local mais desfavorável para o dimensionamento.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Modelo (ou Pesadelo?) Estrutural

Tendo um passado de uns 30 anos de prática na engenharia estrutural, imaginei que a fase do dimensionamento fosse uma completa moleza.

Imaginava, como continuo imaginando, que a solução escolhida certamente estaria superdimensionada, se construída com chapa de 6mm, um mínimo na prática. A seção tem 4 almas nos trechos em que é mais solicitada, fazendo com que o cortante seja da ordem da metade da que ocorre nos barcos similares.

As mesas superiores são de bom tamanho e estão bem contraventadas pelas almas e pelos septos transversais. As duas vigas-caixão têm boa rigidez à torção e à flexão e estão contraventadas pelo banco central, pelo espelho de popa e pela antepara do compartimento frontal, dando ao barco uma rigidez global considerável para resistir aos esforços de flexão e torção que só poderia ser superada por um barco fechado com convés.

Como única incógnita a ser verificada, restaria o fundo, que talvez fique muito esbelto com a chapa de 6mm. As alternativas seriam muitas:


1- usar chapa de 10mm. (a solução força-bruta)

2- usar uma quilha longitudinal apoiada no espelho de popa e na antepara do banco (trecho de ré). Havendo necessidade de nervura também na proa, seria adotada uma segunda quilha, apoiada no enrijecedor frontal da caixa de bolina e na antepara transversal (trecho de vante).

2a- como variante desta solução, a caixa de bolina pode ser deslocada ligeiramente para o lado permitindo uma quilha contínua sem a interrupção da solução 2.

3- se a solução 2 não for suficiente, o painel do fundo pode ser dividido em 4, adotando-se mais duas nervuras longitudinais de um lado e do outro da quilha. Se forem internos, não aumentam a área de atrito viscoso e criam duas nervuras que podem servir de apoio ao calcanhar ou aos, como dizer, glúteos, quando o barco estiver sendo escorado.

4- em vez da quilha central, duas quilhas menores, laterais, dividindo o painel do fundo em 3. Esta é a minha preferida porque dá maior estabilidade ao barco em seco. A quilha central me parece frágil e vulnerável a quebras, quando o barco estiver adernado, apoiado sobre ela, no chão.

Para resolver este problema, bastaria estimar uma carga distribuída parcial, simulando uma pessoa, aplicada sobre um painel modelado do fundo, enrigecido como previsto e verificar se as tensões produzidas são aceitáveis.

Mas isso era inaceitável para um engenheiro estrutural. Resolvi fazer um modelo do barco inteiro com elementos de casca para descobrir o que já sabia. Para isso, gastei quase dois meses investigando 4 programas estruturais dos quais dois foram testados mais detidamente até ser escolhido um, no qual o modelo foi definido.

Depois de muitos problemas e desse trabalho todo, desisti desta solução por falta de confiança no programa. O modelo foi depurado, verificado e em seguida simplificado para descobrir por quê uma estrutura simétrica com um carregamento simétrico produzia uma distribuição de tensões assimétrica.

Quando cheguei a uma placa retangular, dividida automaticamente em elementos retangulares, com apoios idênticos nos quatro bordos e carga uniformemente distribuída, também gerada automaticamente, que me dava uma distribuição de tensões totalmente assimétrica, desisti do modelo. Ainda bem que não sou mais engenheiro estrutural.

Para não passar por mentiroso, ficam 3 imagens. A primeira é o modelo completo de elementos finitos onde se vê em marrom aqueles que foram considerados submetidos apenas a tensões no plano.




A segunda imagem é um modelo simplificado em que as vigas-caixão foram modeladas como elementos lineares
criando-se vínculos entre estas vigas e alguns elementos de placa.


Finalmente, a surpreendente distribuição das tensões de von Mises no topo da placa do banco sujeito a uma carga uniformemente distribuída.