quinta-feira, 19 de abril de 2007

Vento e Momentos de Tombamento


Para a verificação da estabilidade transversal, geralmente se analisa o caso de mais difícil equilíbrio, quantitativamente falando, que é a situação do barco orçando. Supõe-se que a vela esteja no plano vertical que passa pelo eixo do barco, toda a força do vento esteja tentendo a tombar o barco transversalmente e a tripulação tentando equilibrar esta situação escorando.

A resultante do vento sobre a vela é calculada pela fórmula Fv = C x Rô x V x V x Av / 2, onde:
C = coeficiente de força = 1.5 (valor geralmente adotado)
Rô = densidade do ar = 1.29kg/m3
V = velocidade do vento em m/s
Av = Área vélica = 6,11m2 (vela normal); 4,02m2 (primeiro rizo); 2,50m2 (segundo rizo)

O momento de tombamento é produzido por um binário formado pela resultante Fv suposta aplicada no centro geométrico da área da vela e por uma reação transversal exercida pela água sobre a superfície lateral imersa do casco. Há muita controvérsia quanto a que área seria esta (bolina?, mais projeção lateral da área imersa do casco?, mais leme?) e mais divergência ainda sobre onde se deveria localizar o centro de gravidade desta área, em relação à resultante da força na vela.

De modo geral, não é desejável que a resultante do vento seja aplicada à frente da reação no casco porque esta situação pode fazer com que o barco sem piloto arribe sozinho e, virando de costas para o vento, fuja de um tripulante que tenha caído na água. É sempre bom que o barco orce e entre no vento quando largado à própria sorte.

Na prática, nunca se sabe direito o que o barco vai fazer até testá-lo. O que se tem são resultados experimentais que funcionam ou não conforme o tipo de barco e de quilha, vela, armação etc. As pesquisas com veleiros costumam estar voltadas para iates com quilha fixa curta, como uma bolina. Neste caso, Larsson e Eliasson recomendam que se considere como área lateral imersa apenas a área lateral da quilha da linha d´água para baixo e se admita como posição da resultante o encontro de uma paralela ao bordo de ataque, distante dele 25% do comprimento longitudinal da quilha com uma paralela à linha d´água, a 45% da profundidade da quilha.

O centro assim obtido deve estar localizado atrás do centro vélico. A distância entre estes dois centros, chamada "lead", deve ter um valor de 3 a 9% do comprimento da linha d´água. Parece estranho recomendar que o centro de empuxo fique atrás do centro vélico pois isso teria o efeito indesejável de criar um barco que arriba sozinho mas, experimentalmente, se constata que a posição indicada resulta num barco com ligeira tendência de orça, ao contrário do que se poderia imaginar.

Na verdade nada é como parece: o centro de força numa vela triangular convencional fica à frente do centro geométrico da vela, função da maior curvatura da vela junto ao mastro; a reação lateral da água sobre o casco não é apenas sobre a quilha; o centro hidrodinâmico de pressões fica mais atrás do local indicado e o mastro na orça se flete para trás, deslocando a vela junto.

Nos barcos pequenos, é comum se considerar os centros geométricos de vela e bolina como pontos de aplicação das forças e colocá-los na mesma vertical. Michalak recomenda centrar a resultante da vela na metade posterior da bolina, o que, acredito, possa fazer o barco ficar mais orçador do que precisava, sem necessidade, o que deve reduzir seu desempenho.

As duas resultantes estão, provisoriamente, quase na mesma vertical. A posição final do mastro deverá ser definida experimentalmente. Para isso, será necessário conceber algum dispositivo que permita uma regulagem do pé do mastro. Na figura abaixo estão indicadas as 3 configurações de vela, com os respectivos centros geométricos e os 3 braços de alavanca até o centro de empuxo, definido segundo o critério de Larsson e Eliasson.



 
Verticalmente, a distância entre os centros geométricos de vela e bolina submersa valem, por enquanto, 2,31m na vela normal, 2,01m na vela com o primeiro rizo e 1,77m na vela com o segundo rizo. O momento de tombamento provocado seria, portanto:

Mt = Fv x z, onde:
z = 2,31m (vela com 6,11m2); 2,01m (vela com 4,02m2); 1,77m (vela com 2,50m2)

A idéia agora é comparar o momento estabilizante mobilizável pela tripulação com este momento de tombamento que deve ser equilibrável para manter o barco de pé. Tradicionalmente, em vez de se compararem diretamente os momentos, se comparam braços de alavanca. O estabilizante é GZ, que corresponde ao momento estabilizante máximo que vale Delta (deslocamento) x GZ (distância entre o CG e o CLR). Quanto ao braço de alavanca de tombamento, que seria a grandeza análoga para comparação, pode ser calculado dividindo-se o momento indicado acima pelo deslocamento Delta.

GZtomb = Mt / Delta, onde:
Delta = 256,5kg (dois tripulantes) ou 171,5kg (um tripulante)

O valor de GZtomb é calculado a cada ângulo de inclinação do barco e corrigido multiplicando-se pelo cosseno deste ângulo para levar em conta a redução da projeção das áreas da vela e da bolina sobre o plano vertical.

Comparação dos Casos de Carregamento


Nos gráficos a seguir estão superpostos os valores de GZ e dos braços de alavanca de tombamento, calculados para as duas configurações de carga consideradas (1 ou 2 tripulantes + 10kg/tripulante) e para três intensidades de vento diferentes.

A velocidade de 6m/s é a velocidade associada a ventos de força 4 na escala Beaufort e é o vento padrão para verificação da categoria D de barcos projetados de acordo com a ISO 12217. A velocidade de 11m/s, correspondente à força 6, é a referência indicada pela mesma norma para a verificação dos barcos da categoria C. Também incluímos uma velocidade intermediária de 8m/s, força 5, que deve ser o vento mais forte que o barco deve enfrentar em situação operacional normal.

Os diagramas coloridos em azul, rosa e marrom indicam os valores de GZ nas 3 situações já mencionadas de excentricidade progressivamente crescente. Os diagramas em vermelho, verde e preto correspondem aos braços de alavanca associados aos momentos de tombamento provocados por diferentes áreas vélicas com ventos respectivamente de força 4, 5 e 6.

Para que haja estabilidade possível em determinada configuração é preciso que o primeiro cruzamento das duas curvas seja num ponto em que a curva de GZ seja crescente e a curva dos braços de alavanca de tombamento seja decrescente. Só assim se pode garantir que há uma sobra de momento estabilizante ainda mobilizável para neutralizar o momento de tombamento.




 Observando-se o diagrama para os carregamentos com dois tripulantes pode-se concluir:
  • com carga centrada não se estabiliza o barco no contravento com ventos de força 4 ou mais.
  • a situação de vento força 4 com vela normal é quase idêntica à situação de vento força 5 com vela no primeiro rizo e de vento força 6 com vela no segundo rizo.
  • dois tripulantes escorando na borda equilibram bem ventos até força 5 com a vela normal, mantendo inclinações do casco limitadas a cerca de 17 graus. Hora do primeiro rizo.
  • para ventos de força 6, a vela no primeiro rizo passa a exigir muito preparo atlético. Passando-se ao segundo rizo, fica-se com o mesmo conforto de um vento força 4 com a vela normal. Mas é bom voltar.
No caso de apenas um tripulante (diagrama abaixo), verificamos:
  • a situação de vento força 4 com vela normal é idêntica à situação de vento força 5 com vela no primeiro rizo e de vento força 6 com vela no segundo rizo.
  • um tripulante escorando na borda equilibra bem ventos até força 4 com a vela normal.
  • para ventos de força 5, a vela deve ser reduzida até o primeiro rizo.
  • para ventos de força 6, segundo rizo.
  • essas reduções devem ser feitas com certa antecipação porque o tripulante não terá ajuda e não pode chegar à exaustão para só então decidir reduzir a vela.



Resumo:

Com dois tripulantes, a vela deve ir para o primeiro rizo quando o vento atingir força 5 e para o segundo, quando atingir força 6.
Com um tripulante, esses procedimentos deverão ser antecipados. A vela deve ir para o primeiro rizo quando o vento chegar a força 4 e para o segundo quando atingir força 5.
Se o vento se mantiver estável, o barco deve ser perfeitamente manobrável com a vela rizada conforme estes limites de velocidade de vento. Se a tendência for de vento crescente, o sensato é voltar antes do vento chegar à força 6. Apesar do barco ser perfeitamente manobrável neste regime, esta será uma situação limite e cansativa, especialmente para um tripulante sozinho.

Verificação das Hipóteses de Carregamento

 
Para verificar a estabilidade do barco com as cargas previstas, foram admitidas três configurações de carregamento para dois tripulantes e outras três para um tripulante. Estes três casos de cada tipo correspondem a situações de momento estabilizante crescente.

O primeiro caso admite que as cargas estejam transversalmente centradas. Longitudinalmente, os tripulantes foram colocados no banco central do barco.

O segundo caso corresponde a uma hipótese de escora moderada. O primeiro tripulante está sentado de lado no limite de boreste do banco, junto à antepara longitudinal. O segundo, quando existir, está sentado no chão, imediatamente atrás do banco central, encostado na antepara longitudinal.

O terceiro caso corresponde a uma escora mais eficiente. Longitudinalmente as posições dos tripulantes são idênticas às do caso anterior. Transversalmente, o peso de cada tripulante foi colocado no centro dos 15cm correspondentes ao convés.

Existe a possibilidade de se adicionar uma alça de escora central ou um corrimão interno no topo da antepara longitudinal para o apoio dos pés, permitindo uma escora mais radical. Como o objetivo do barco é o recreio de pessoas não muito atléticas, esta hipótese não foi considerada o que iria permitir o uso de uma vela ainda maior. Mas este não é um barco de regatas, de modo que este recurso será reservado apenas para uma situação de vento muito forte e imprevisto, quando a adrenalina se encarregará de fornecer a energia extra necessária.

A bagagem, como já explicado, está solta, deslocando-se para o ponto mais baixo do interior do casco.

Nas tabelas abaixo estão indicadas as cargas consideradas em cada uma das hipóteses mencionadas, com a respectiva localização referida à posição "normal" do barco, com inclinação transversal de zero grau.
  • Casos de Carga com Dois Tripulantes


  • Casos de Carga com Um Tripulante


Aplicados estes carregamentos, o barco foi inclinado de -30graus até 180graus a boreste, com intervalos de 5graus, determinando-se ponto a ponto o valor de GZ, braço de alavanca estabilizante do barco, correspondente à componente horizontal transversal da distância entre o centro de gravidade das cargas, CG, e o centro de empuxo, CB, coincidente com o centro de gravidade do volume de água deslocado.

Na próxima tabela estão indicados dois conjuntos de valores. Nas primeiras 6 linhas estão os valores de GZ, que correspondem ao braço de alavanca do momento estabilizante. 
Nas últimas 6 linhas estão os braços de alavanca de tombamento.  
Todas estas grandezas variam com o ângulo de inclinação do barco.  O intervalo abrangido pela tabela foi limitado superiormente em 80graus, inclinação acima da qual o barco estará sempre emborcado.



Os braços de alavanca de tombamento foram calculados conforme o roteiro abaixo:
 
1- A resultante do vento foi calculada pela fórmula:
Fv = C x rô x V^2 x Av / 2 , onde:
C = coeficiente de forma = 1.5
rô = densidade do ar = 1.29kg/m3
V = velocidade do vento em m/s
Av = Área vélica = 6,11m2 (vela normal)
                                    4,02m2 (primeiro rizo)
                                    2,50m2 (segundo rizo)

2- O momento de tombamento foi calculado por:
Mt = Fv x z, onde z = 2,31m (vela normal)
                                         2,01m (primeiro rizo)
                                         1,77m (segundo rizo)

3- o braço de alavanca de tombamento foi calculado por
GZ = Mt / Delta onde Delta é o deslocamento que vale:
Delta = 256,5kg (dois tripulantes)
Delta = 171,5kg (um tripulante)

4- o valor de GZ acima foi corrigido multiplicando-se pelo
cosseno da inclinação do barco.


Na tabela a seguir, estão os valores máximos de GZ, o respectivo ângulo de inclinação, o ângulo a partir do qual o cockpit será alagado e o ângulo limite quando o casco perde a estabilidade e se emborca.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Cargas Permanentes e de Peso Próprio

Para simplificar, considerou-se que a madeira compensada, revestida com epoxi, reforçada com fibra, lixada e pintada, tenha um peso específico final da ordem de 750kg/m3. O volume das peças componentes foi calculado com base nas espessuras previstas para as chapas. No caso da bolina e do leme, consideraram-se espessuras médias de 2,5cm para a bolina e 1,9cm para o leme.

Quanto ao mastro, retranca, carangueja e vela, foi estimado um peso total aproximado de 10kg, 5kg, 3kg e 2kg respectivamente, aplicado no centro de gravidade correspondente. É possível que, com a adoção prevista de bambu para estas peças, seu peso possa ser ainda menor.

Nas situações Vela Normal (barco completo a vela) e Vela Rizada (barco completo com vela rizada) todas as peças foram consideradas nos locais previstos, com a vela suposta no plano vertical de simetria. Na situação a Remo ou Motor, foram desconsiderados leme, cana do leme, bolina, mastro, retranca, carangueja e vela.

Nas tabelas a seguir está o cálculo do peso total com o respectivo centro de gravidade para as 3 configurações mencionadas bem como um resumo englobando os 3 casos. Estes valores foram considerados no item "casco" das diferentes hipóteses de carga consideradas nas verificações de estabilidade. Este item corresponde ao que se costuma chamar de Lightship.







Considerações quanto às Cargas Vivas e Acidentais

Considerou-se o espaço ocupado por uma pessoa sentada igual a um retângulo de 40cm de largura por 20cm de profundidade. O centro de gravidade do corpo da pessoa foi suposto, em princípio, 20cm acima da superfície de apoio. Quando o paramento lateral do cockpit tem inclinação que permite ao tripulante se recostar, o CG do corpo foi deslocado lateralmente afastando-se do eixo do barco, deixando uma distância horizontal de 10cm até o paramento lateral, mantida a altura de 20cm mencionada acima.




Quando o tripulante não tiver nada onde se encostar, caso em que estará sentado na borda ou no banco, considerou-se que o seu peso estará aplicado na superfície de contato com o barco. Esta consideração é correta, na medida em que as pessoas têm a tendência de compensar automaticamente uma inclinação do barco mantendo o corpo na vertical, não alterando o ponto de aplicação de seu peso sobre o casco. Manter constante o ponto de aplicação da carga 20cm "acima" da superfície de contato implicaria supor que a posição relativa do corpo de cada tripulante em relação ao casco seria inalterável o que só ocorrerá no caso deste corpo estar "encaixado" de alguma forma ao casco. Veja a figura acima.

Com relação à bagagem, a ISO 12217-3 recomenda que se considerem 10kg de bagagem por pessoa no barco. Não encontrei nenhum critério para estabelecer a localização desta carga. Neste projeto a carga foi modelada da seguinte forma:


  1. O cockpit foi definido como um tanque

  2. Neste tanque foi colocada uma quantidade de água de peso igual ao da bagagem a considerar

  3. Deixou-se que a água se movimentasse livremente no cockpit ao sabor da inclinação do barco

Desta forma, a carga se comporta como solta, deslocando-se sempre para o ponto mais baixo do cockpit. Em geral, esta é a consideração mais desfavorável, já que acentua as inclinações do barco provocadas pelas demais cargas.


No caso em que esta carga móvel representar risco para a estabilidade do barco, sempre será possível considerá-la como carga fixa (presa à caixa de bolina, por exemplo) ou desconsiderá-la de todo, desde que isso conste claramente como uma ressalva operacional no manual de uso do barco.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Teste de Tombamento Vazio

O teste de tombamento vazio serve para estimar a dificuldade de desvirar o barco após uma queda. O barco foi considerado com todos os acessórios necessários para velejar, sem cargas a bordo, inclinado de 105graus. Esta inclinação corresponde a cerca de 50% do mastro submerso. Imagina-se que esta possa ser uma posição de estabilidade intermediária, já que toda a mastreação será de madeira, contribuindo com uma certa flutuabilidade que irá dificultar o emborcamento completo de 180graus. As cargas consideradas estão indicadas na tabela abaixo:



Na figura seguinte, está indicada a provável situação de equilíbrio do barco nas condições indicadas. Observe-se que o fato dos compartimentos estanques serem laterais colabora para que o barco flutue quase fora d´água.




Pela simulação, estima-se que a borda lateral mergulhe cerca de 28cm. Nestas condições, a antepara longitudinal interna terá imersa apenas cerca de 2/3 de sua altura a partir da borda. O fundo interno do barco e o terço restante desta antepara estarão fora d´água.

A inclinação transversal desta antepara, que é a mesma do costado, deve garantir que a água embarcada escoe automaticamente durante o processo de desviramento até que a inclinação do barco chegue a cerca de 70graus Neste ponto, o paramento fica praticamente horizontal, deixando de favorecer o escoamento da água.

É provável que nesta posição, não haja mais água no interior do cockpit, como ocorre com um Laser, por exemplo. De qualquer forma, estima-se que a água remanescente, se houver, será mínima, facilitando a drenagem com balde e esponja.

Outra característica interessante é que o barco flutua com a popa completamente fora d´água. Isso significa que a inércia à torção do casco, a ser vencida para restaurar a posição vertical está minorada, reduzindo o trabalho necessário ao desviramento pela tripulação. Muito pior seria se a proa estivesse fora d´água e a popa submersa.